o senhor do bom fim.

“há uma história para essa fitinha. eu vou te dizer toda ela porque você me perguntou sobre. acho que você merece muito bem saber sobre isso. a ganhei do meu avô quando eu era uma criança de sete anos de idade – isso faz com que ela esteja amarrada ao meu pulso há quase vinte anos – e, desde então, tem se enrolado e enrolado no meu braço, mas de forma alguma estourou. era uma tarde de março quando ele chegou de viagem depois de duas semanas entre a bahia e o rio de janeiro. fui ao aeroporto com meu pai para buscá-los: ele, minha tia e minha avó. eu sempre adorei ir ao aeroporto. tanto pela estrada que leva até ele quanto pelo resultado da viagem: ver aquelas máquinas gigantescas que, como se por magia, se erguiam no ar e sumiam entre as nuvens. os aviões sempre me fascinaram, talvez por isso eu tenha desejado por um tempo largar tudo o que conquistei para tentar a vida como piloto de avião, algo inusitado. nunca conheci um piloto de avião por aqui. não sei de nenhuma família cujo filho entrou para a escola de aviação de alguma das grandes empresas aéreas do país. a sorte foi que notei a estupidez que seria e larguei a idéia pouco tempo depois de ela ter surgido. meu pai dirigia o carro da minha tia naquele dia, eu ia no banco de trás por ser pequeno demais para andar na frente. quando estacionamos fomos para o portão de desembarque, onde me deixaram esperando pelos meus avós na parte restrita. lá eu podia ver os aviões de uma forma muito melhor. brancos, ostentavam seus símbolos pelos ares, onde ninguém os via, e os trazia para a terra, que era onde podiam ser avistados por todos. assisti ao desembarque do avião e, de longe, avistei meu avô. alto, moreno, os poucos cabelos que tinha eram brancos e curtos. de longe podiamos ver seu bigode da mesma cor e bem feito. logo depois vinha minha avó e à frente, ajudando-o a descer as escadas uma por uma, minha dedicada tia. ele se aproximava a passos lentos e arrastados – eram assim desde que eu tinha 3 anos e ele sofreu seu primeiro derrame, as seqüelas foram poucas, pelo que lembro, mas seu caminhar nunca mais foi o mesmo, apesar de toda a fisioterapia. e eu ansiava pela presença deles, pelas novidades e pelos presentes.ao atravessarem o portão que separa a parte de desembarque da pista de pouso, corri para abraçá-los. pedi a benção a todos, como sempre fui acostumado a pedir – e até hoje, mesmo sem acreditar que deus irá me abençoar porque creio em sua divina inexistência, peço a meus familiares – e meu avô me deu um cheiro na cabeça, como era seu costume. tanto era que, até hoje, quando alguém vem me beijar, eu baixo a cabeça para que me beijem a testa ou o topo da cabeça. um costume estranho, mas que nunca saiu de mim. estávamos todos felizes por terem feito uma viagem tranqüila e sem complicações.

fomos, então, para a casa dos meus avós, onde eles contariam mais sobre as duas semana, desfariam as malas e destribuiriam os presentes. sim, eu sempre fui um menino interesseiro e egoísta. cresci e me tornei esse homem egoísta, mas menos interesseiro que quando criança. hoje em dia poucas coisas me interessam. uma delas é você. sim, é claro que você me interessa. os teus olhos brilham de uma forma diferente dos outros olhos que eu já vi e tua voz tem uma entonação bela. você consegue sempre parecer interessada em qualquer coisa que eu diga, inclusive minha ida ao aeroporto aos setes anos para pegar meus avós e minha tia, pessoas que você nem conheceu fisicamente e nunca o fará porque agora eles são apenas lembranças boas que eu carregarei comigo até onde der. e é claro que há fotos deles, mas por mais que você os veja, nunca será a mesma coisa, você nunca saberá como é ser abraçado por eles como eu soube. mas vamos voltar à minha história antes que eu me distraia demais elogiando você e sua maneira de sempre ter paciência comigo e minhas histórias sem sentido ou continuidade. minhas lembranças bestas. mas é que você pediu isso quando perguntou o que essa fitinha significava. é claro que você sabe o que é uma fitinha do nosso senhor do bonfim. você amarra e faz alguns pedidos para quando ela estourar, porque ela vai estourar um dia, seu desejo se realizar. mas dizem que se você contar esse desejo ele nunca se realizará. eu mantenho o meu trancado a sete chaves. infelizmente, não vou dizer para você antes dela pocar. sim, pocar. você sabe o que é isso, não sabe? é claro que sabe, te ensinei uma vez… é o mesmo que estourar, quebrar. a corda do violão pocou, a gente diz. enfim, a história da fitinha… chegamos na casa dos meus avós, eles tomaram banho, almoçaram porque chegaram por volta de onze da manhã e o almoço não tinha sido servido no avião. naqueles tempos havia comida de verdade no avião. não eram essas coisas de caixa e só. estava a família inteira que morava na cidade: eu, meu pai e minha tia e meus avós. meus dois primos moram longe e meu tio, na época, também. depois da refeição fomos para o quarto eu, meu avô e minha tia, foi lá que meu avô me entregou a fitinha. lembro que ele mandou que escolhesse uma cor antes de entregar a fita para mim. escolhi azul porque é uma cor bela. ele me entregou a fitinha mandando eu estender o braço e que a cada nó que ele desse nela, era pra eu fazer um pedido. ele deu três nós. ao fim do terceiro ele me disse que assim que aquela fita estourasse sozinha, meus desejos seriam realizados. lembro de todos os meu pedidos até hoje. dois já se realizaram, mas o que espero mesmo é o terceiro. mas esse… esse eu acho que está quase se realizando… espero. e o melhor… tenho quase certeza que se realizará com você.”

“é?” ela perguntou curiosa com as mãos passeando sobre os braços dele até tocar na fita velha e enrolada. foi aí, então, que ela estourou e ele sorriu. ela fez um olhar de espanto, como se tivesse feito uma coisa horrível, como quando se quebra um jarro da avó e ninguém está vendo e não se sabe o que fazer. “e o que você pediu?”

ele se aproximou dela, deu um abraço e lhe disse ao ouvido.

“pedi pra ser feliz.”

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7 respostas para o senhor do bom fim.

  1. Marden disse:

    Poxa, man, você tá fazendo uns textos tão bons enquanto que os meus andam tão banais.

  2. Marden disse:

    Ah sim e você sempre escreve muito bem memorias e dialogos assim.

  3. isabelle disse:

    Lembrou-me uma frase de Madame de Staël: “O desejo do homem é pela mulher, mas o desejo da mulher é pelo desejo do homem.”

  4. beta disse:

    esse rapaz esperou bastante, hein?!
    eu não gosto dessas definições temporais de felicidade não… do tipo ‘agora eu estou feliz..’! prefiro pensar no ‘agora estou mais’ ou ‘agora estou pleno’
    :}

  5. nelsonnetto disse:

    meu irmão véi!
    texto foda. :~~
    poxa…
    a fitinha do senhor do bonfim!
    genial!
    muito bom!
    tenho nem o que falar…
    o texto todo..
    muito bom!
    a lembrança ficou foda.
    acho legal o jeito como você trata as lembranças, tão dentro delas e ao mesmo tempo fora.
    agora, lembrei do marcel.
    e cara…
    vou arranjar uma fita do senhor do bonfim pra mim…
    na moral do jegue.

    hahahahahahahahaha

    FH

  6. M.Henrique Leite disse:

    Foda o o texto, Man. Foda como muda de pessoa no final…

    Algumas fitas já estouraram… outras, não… talvez, seja tudo uma questão de tempo.

  7. Lah disse:

    poooxaaa!
    esse texto táá muuito lindooo veei!
    o final foi tão, tão lindo!
    a narrativa toda tá tão increvelmente linda =D
    eu me redescubro uma romântica quando leio essas coisas 🙂
    adorei =D

    =***

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