Em seus braços.

ao deitar, após trancar-se em seu quarto ainda cedo da noite, a fim de distanciar-se do mundo, estava acompanhado de seus pensamentos: esse era um tipo de solidão que costumava cultivar, por acreditar ser produtiva para si, sua melhor companhia. comportamento esse de caráter mais autodestrutivo que construtivo: esticado no colchão, lamentava-se com os pensamentos do passado (as tais lembranças), angustiava-se com as metas para o futuro, ainda tão distantes, e lamentava por todos os planos do presente que deveria executar, porém relevava e os deixava em segundo plano para um futuro próximo, caindo numa série de pensamentos que o faziam perceber que quanto mais empurrava o presente para o futuro, mais adiava o futuro, vivendo num vazio de tempo, um lugar nenhum.

as pupilas dilatadas tentam captar o mínimo de luz para que ele seja capaz de discernir o ambiente ao seu redor, mas àquela hora, o monte de roupas sujas no canto do quarto bem poderia ser uma pessoa sentada em posição de lótus a observá-lo. sua mente tenta convencê-lo do contrário, ele está só (mas quem realmente está só na escuridão? diz uma voz baixinha no fundo de sua mente). o coração bate uma, duas vezes em um segundo, sua boca seca, o ar entra mais difícil pela narina, começa a aumentar a frequência com que inspira, sente um frio – não o frio da noite, mas o frio que vem de dentro de si -, sua garganta começa a fechar, dar um nó.  fecha os olhos.

está deitado na cama com a escuridão. seria capaz de tocá-la, até, mas não o faz, “como poderia”, pensa, “tocar a intocável?”. por isso, pela falta de crença, pela ausência de ação, por sua impotência diante dela, é invadido por ela, que o toma em seus braços como uma mãe a acalentar um filho que acorda de um pesadelo no meio da noite e não consegue voltar a dormir com medo do escuro. sente os braços dela ao redor de seu corpo. não sente mais nada depois disso.

acorda depois de alguns segundos em apneia. o quarto está frio, e sua testa molhada de suor.  não consegue dormir novamente, mas ainda são quatro da manhã.

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Uma resposta para Em seus braços.

  1. Me identifiquei muito com o primeiro parágrafo, embora minha ansiedade me obrigue a fazer tudo de uma vez – porém, a sensação de que poderia ter feito mais, de que o futuro está demorando pra chegar mas também o medo de que ele chegue e não dê certo, enfim, isso tudo vêm incluído no pacote. Esse conto é legal e gostei dos teus textos 🙂
    Muito sucesso!
    Abraço.
    http://www.escritacandida.blogspot.com.br

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